um contemporâneo
Traduzindo e versando prosa em verso, fiz um sublinhado para nomear... Passo do original à tradução, sem a dar por livre (qualquer erro, é público e será reparado)... Publicado em: http://www.imaginando.com/literatura/archivos/000038.html
BREVES APONTAMENTOS
PARA UMA POÉTICA
Carlos Barbarito (Buenos Aires, Argentina, 1955)
Complexo, raro ofício este
de trabalhar com as palavras.
Trabalho pessoal, solitário,
empreendido como uma aventura.
Labor que acarreta fadigas,
porque se irmana com a vigília.
Alguma vez terei dito,
ser poeta é ouvir vozes:
não estamos longe
da actividade do médium
nem de certas formas de loucura.
Oiço vozes, minhas vozes interiores,
e só a elas sou fiel
− fidelidade que, como toda
que tal precisa de ser,
não descarta a traição, inclusive,
sente prazer ante a ideia −.
Dito de outro modo:
a meio do poema, de súbito,
uma súbita derivação, um caminho
imprevisto, com frequência oposto
− isto fascina-me −.
Um poema, todo o poema,
é obra humana e, como toda a obra
feita pelo homem, é complexa.
Gil de Biedma sustenta, com razão,
que complexo é sinónimo de impuro.
E impuro significa − segundo o
dicionário −, mesclado com partículas
grosseiras ou estranhas a um corpo
ou matéria. Esta impureza é inseparável
da ideia de poesia, sem ela a poesia
seria como um Manet todo água
sem nenúfares, com a perca que isso
significa. O abraço dos amantes,
a poesia beba suores, gemidos, ligeiras
marcas de unhas na pele; doutro modo
a cena estaria separada da vida,
aconteceria estranha ao humano.
Não seria poesia, seria outra coisa,
pretenciosamente pura, etérea,
angelical, inumana.
Escrever um poema é um acto perigoso.
Empurra-nos tanto até ao centro
do mundo, até à medula de nós mesmos
e de vós, converte-nos em estrangeiros.
Isola-nos, exila, faz-nos estranhos.
O idioma que usa o poeta não é de todos
os dias, quotidiano; é, como bem disse
um contemporâneo, um dialecto.
Por mais que fale com palavras
do dicionário ou aparentemente comuns,
o que delas faz o poeta, é sua alquimia,
nas sucessivas destilações, em busca
de outros planos, doutras significações,
situa-as em outra parte, as aparenta
com a magia, as enche de poderes,
as converte em sistemas de espelhos,
em intrincados jardins. A poesia depara
descobrimentos mas, também, trás saudades.
BREVES APONTAMENTOS
PARA UMA POÉTICA
Carlos Barbarito (Buenos Aires, Argentina, 1955)
Complexo, raro ofício este
de trabalhar com as palavras.
Trabalho pessoal, solitário,
empreendido como uma aventura.
Labor que acarreta fadigas,
porque se irmana com a vigília.
Alguma vez terei dito,
ser poeta é ouvir vozes:
não estamos longe
da actividade do médium
nem de certas formas de loucura.
Oiço vozes, minhas vozes interiores,
e só a elas sou fiel
− fidelidade que, como toda
que tal precisa de ser,
não descarta a traição, inclusive,
sente prazer ante a ideia −.
Dito de outro modo:
a meio do poema, de súbito,
uma súbita derivação, um caminho
imprevisto, com frequência oposto
− isto fascina-me −.
Um poema, todo o poema,
é obra humana e, como toda a obra
feita pelo homem, é complexa.
Gil de Biedma sustenta, com razão,
que complexo é sinónimo de impuro.
E impuro significa − segundo o
dicionário −, mesclado com partículas
grosseiras ou estranhas a um corpo
ou matéria. Esta impureza é inseparável
da ideia de poesia, sem ela a poesia
seria como um Manet todo água
sem nenúfares, com a perca que isso
significa. O abraço dos amantes,
a poesia beba suores, gemidos, ligeiras
marcas de unhas na pele; doutro modo
a cena estaria separada da vida,
aconteceria estranha ao humano.
Não seria poesia, seria outra coisa,
pretenciosamente pura, etérea,
angelical, inumana.
Escrever um poema é um acto perigoso.
Empurra-nos tanto até ao centro
do mundo, até à medula de nós mesmos
e de vós, converte-nos em estrangeiros.
Isola-nos, exila, faz-nos estranhos.
O idioma que usa o poeta não é de todos
os dias, quotidiano; é, como bem disse
um contemporâneo, um dialecto.
Por mais que fale com palavras
do dicionário ou aparentemente comuns,
o que delas faz o poeta, é sua alquimia,
nas sucessivas destilações, em busca
de outros planos, doutras significações,
situa-as em outra parte, as aparenta
com a magia, as enche de poderes,
as converte em sistemas de espelhos,
em intrincados jardins. A poesia depara
descobrimentos mas, também, trás saudades.
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