terça-feira, fevereiro 09, 2010

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o conto de hoje

Vou-lhe contar assim, sem mais, como as coisas acontecem... quando nos surpreendem. Conheci você por acaso, por acaso nem a conheci, fiquei a saber da sua existência e a corresponder-me consigo.
A um poema erótico correspondi com um texto hipnótico, um paleio gótico... era ainda o primeiro contacto. Na verdade era já um segundo conto, ao primeiro não respondera, não correspondera. Julgava eu perceber por quê, mesmo sem perceber nada, nada havia para perceber: você autora, eu um “outro” que nem se apresentou.
Ainda por cima mandei um conto cuja heroína é uma mulher, nem sequer assinei e mandei assim, sem mais nem menos. Sim, nem esse cuidado mínimo de dizer quem sou, ou seja, sem cuidado nenhum. Seria quase como fazer sexo com um desconhecido sem usar preservativo, ideia convidativa diga-se de passagem não fora ser bobagem... sem conseguir ao menos olhar o rosto. Sobre tudo, falta aqui o ponto: sentir o corpo!
Mas, como dizer Não quando começa a apetecer dizer... Sim? O corpo vai crescendo, é sexo. Certo, sabido, “Apetece ser lambido”! Digo eu, fazendo-a entrar, a si, com este pretexto para o meu texto. Pondo-lhe na boca estas palavras, como seja sua a frase, o dito: - Apetecia ser lambido!... Ofereço-lho assim, erguido! A exclamação a surgir, repetida, à frente dos seus olhos! Perto de tua boca, teus lábios, teu desejo, meu, nosso desejo... vou escrevendo.
É com esta arte da ir tocando que, a pouco e pouco, vou penetrando seu corpo... textual, como meu corpo, este texto. Avanço e sinto-a balançar, começar interiormente a ficar... nua. É um movimento interior, não lhe sei explicar, sinto-a. Ninguém melhor que você para dizer como é, como se deixa... fazer/dizer? F... febril, a temperatura subiu. A exclamação d’ à pouco já não está à mão, para acariciar essa ideia como se fosse alheia: - Apetecia ser lambido!...
Agora é você a pensar-me, a fazer-me dentro da sua cabeça. Eu já não a consigo pensar de fora, entrei na sua cabeça, estou na tua vida, quero a nossa Língua... Converti o meu ser em sexo e sirvo-lho agora erguido à sua frente: falo, sou macho!
Não é só o narrador do conto que mudou, nem o conto que é outro, é a proximidade. Agora estou aqui a querer entrar-lhe pelos olhos dentro, todos... E isto despido, nu, em pele, no pelo! Agressivamente carente, esperando-a erguido como um artigo definido indefinido, o... O que se ergue perante ti, todo! Todo ele, todo eu, todo o... Todo ele.
Esta experiência, esta a de te sentir e não saber distinguir a tua língua da minha. Mergulhar a língua na tua língua, sem ser capaz de mandar uma boca: - Como beijas bem!? Grudados, as bocas coladas, calados, deixando falar o corpo todo. Acaricio a fenda erótica do teu corpo, o sentido do texto toca-nos, numa semiótica total. O paleio gótico é agora quase vital, considerações profundas como as que resultam da leitura dum texto essencial de Roland Barthes, “Le Plaisir du texte”.
Encosto o meu corpo ao teu e segredo-te ao ouvido: “Je t’aime”!... Digo-o quase gemendo, abraças-me e desces pelo meu corpo percorrendo-me ávida, pensando poder ser salva pelo Fim, chegar ao fim do texto. Nem sabes como o vais meter na boca e saborear, sílaba a silaba, até salivar tanto como eu me entrego quando me vier na tua boca!
Já não sou palavras minhas, sou palavras tuas para as quais procuras o tempo, o modo, as flexões do verbo e falas... Fá-las nossas! Relê o texto desde o inicio, quando fores capaz do articular movendo a boca, dizendo as palavras de forma nítida e clara... Estar-me-ás fazendo, serei teu.