domingo, fevereiro 14, 2010

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heterónimo

Ser outro é estar para lá da ordem natural das coisas, é ser parte com a imaginação. Não há mais nada a dizer, nascemos do vazio do mundo. A poesia é a única sombra, uma sobra remota de nenhuma coisa em particular, de tudo no geral. O amor é a única coisa que sobra e não é sombra, só isso temos para partilhar. E não há outro lugar no mundo, só temos o corpo. Inventar as palavras não é um invento, é um veículo. Levas-nos de toda a parte a toda a parte e, no entanto, sabemos que só o corpo nos pertence: são assim as palavras dum heterónimo, sombras, sobras, obras. Não vale nada, sem outro corpo. Por isso, heterónimo ou não, só há uma possibilidade real: escrever para os outros e, claro, eu escrevo para ti. Não te posso imaginar um homem, todos são outros como eu, não te posso imaginar uma mulher. O que fica, deve ser a tua ideia em mim, és tu: a mulher. Nada disto é trágico, estamos para lá da tragédia, é um teatro novo: a invenção. Nem pensar em encontrar, os encontros fazem parte do mundo como as palavras. As minhas palavras saem do mundo, são mundo, tu fazes parte de tudo: és para mim um mundo no mundo e, sobre ti, sou mudo, mudo…
Da imaginação em cima de todas as coisas, até todas as coisas em cima da imaginação, seria um título para este dizer, porque não dizer apenas: heterónimo! Como quem grita: − Eu sou Gerónimo! Mas, sem gritar, apenas: heterónimo.

Fazes-me falta
como as coisas,
aquelas inventadas
e depois esquecidas,
coisas que gostaria
de ter de novo: poemas

Tu és o meu poema
e, isso/isto, talvez seja…

trágico

heterónimo + trágico

Heterónimo trágico? Creio que não, sabe-se lá? Até aqui, nem por isso, nada disso.